Domingo 05 de Maio de 2024

Cátia e Tsanko unidos na quarentena e no sonho olímpico

Cátia Azevedo (recordista nacional dos 400 metros barreiras) e Tsanko Arnaudov (recordista nacional do peso), não um novo par amoroso no atletismo nacional, unindo-se no desporto e nada vida (ou para a vida) e que sonham estar em Tóquio em 2021, quando os Jogos Olímpicos’2020 se realizarem na bela capital nipónica.

Cátia, nascida em Oliveira de Azeméis em Março de 1994 (26 anos), e Tsanko que veio ao Mundo na Bulgária, também no mês de Março mas em 1992 (28 anos) e que foi naturalizado português em 2010, também se unem nas cores que vestem e que compõem a bandeira nacional: Verde (Sporting) para Cátia e Vermelho (Benfica) para Tsanko.

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DR / FPAtletismo

Em entrevista ao site da Federação Portuguesa de Atletismo e com a devida vénia, transcrevemos o diálogo mantido com a colaboradora federativa Vanessa Pais.

“Como é que é a convivência numa casa de atletas, na qual um é do Benfica, outro do Sporting, um é lançador e o outro velocista e até têm o patrocínio de marcas desportivas diferentes?

Cátia: O Tsanko e eu já vivíamos sozinhos, por isso, quando começamos a namorar criou-se desde cedo uma rotina de casal. Uns dias ficávamos numa casa, outros noutra, até que o Tsanko me propôs ir viver com ele e eu aceitei.

Tsanko: A Cátia é capitã do Sporting e eu do Benfica. Quando há competições não nos falamos uma semana antes e uma semana depois [risos]. Quando são os campeonatos nacionais ou os europeus de clubes é melhor nem falarmos.

Já o vosso percurso no atletismo é feito de semelhanças. Ambos começaram quase por acaso e cedo começaram a dar nas vistas. Ambos são recordistas nacionais nas respetivas especialidades e contam já com uma participação em Jogos Olímpicos [Rio 2016]. Como é que olham, não para a vossa carreira, mas para a carreira um do outro?

Tsanko: Olho com respeito. Praticamos disciplinas muito diferentes: Eu nunca senti na pele o que é correr àquela velocidade em tão pouco tempo. Por isso, só posso olhar com respeito.

Cátia: Sempre achei que era fácil “atirar pedras” [risos]. Mas agora que tive oportunidade de assistir mais de perto ao treino do Tsanko (devido à quarentena) ganhei-lhe um respeito muito grande, porque percebi que ele tem de estar superconcentrado em todos os pormenores e vi tudo o que o corpo dele tem de passar só para ter uma força extra. É um trabalho completamente diferente do meu e que exige muita paciência e resiliência. Confesso que sempre pensei que as provas de lançamento do peso seriam mais fáceis, porque têm seis tentativas, mas hoje percebo a dificuldade que deve ser ter de manter a calma, a concentração e afastar a frustração e os pensamentos negativos, durante as seis tentativas, principalmente se as coisas não estiverem a correr bem. Ser lançador não é fácil e o Tsanko já conquistou uma medalha internacional [bronze, no Campeonato da Europa de 2016, com um lançamento de 20,59 metros] e isso é algo que me enche de orgulho.

Além do respeito pela vida profissional um do outro, o que mais é que o recolhimento imposto por esta pandemia de COVID-19 vos ensinou?

Tsanko: Que até a coisa mais básica, como ir à praia, que é algo que gostamos muito de fazer, nos pode ser proibido. Neste momento vivemos a 200 metros dos meus pais e não lhes podemos dar um abraço. Sem dúvida que hoje valorizamos muito mais as pequenas coisas e um ao outro.

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DR / FPAtletismo

Cátia: Acho que comecei a desfrutar mais das situações. Vivemos a vida muito depressa, na lógica do “tem de ser já e rápido”.

Conseguem olhar sempre para esta situação pela positiva?

Tsanko: Tentamos. Para mim foi positivo poder passar mais tempo em casa. Gosto muito de estar em casa e isso foi positivo.

Cátia: Arrumámos e mudámos quase tudo em casa. Só não deitámos as paredes abaixo [risos]. O Tsanko adora bricolage e encontra sempre forma de materializar as minhas ideias. Tem sido bom passar este tempo em casa, principalmente nesta altura em que costumamos andar sempre fora do país em estágios e competições.

Tsanko: O lado menos positivo é o de sentir falta da competição. Claro que tenho um objetivo para este período, que é o de ficar mais forte, mas sente-se sempre falta, até daqueles 15 minutos de carro no caminho para o treino, de chegar lá e cumprimentar o treinador e os colegas.

Cátia: E tivemos de adiar o sonho de ir outra vez aos Jogos Olímpicos…

Que impacto é que esse “adiar do sonho” teve em vocês?

Tsanko: Numa primeira instância olhamos para o adiamento dos Jogos como um desastre, porque é a grande competição do atletismo e toda a gente quer estar presente. Depois, percebemos que podemos olhar para tudo isto como uma oportunidade. Vamos ter um ano para treinar, mais tempo para ganhar força e para competir. Como tive uma lesão grave, este tempo está a ser particularmente importante para recuperar.

Cátia: Foi complicado, porque optei este ano por não fazer o estágio de enfermagem para estar mais disponível para me preparar e agora nem fiz o estágio nem há Jogos. Mas teve de ser assim. Em primeiro lugar está a segurança.

O curso de enfermagem fez-te olhar de forma diferente para esta pandemia?

Cátia: Sim. Desde o início que disse que devíamos ficar em casa e adotar as medidas que depois se tornaram obrigatórias. Os meus pais e até o Tsanko achavam que estava doida, mas depois viu-se que infelizmente tinha razão. Acredito que só quando existir uma vacina contra o COVID-19 é que vamos poder voltar à normalidade.

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DR / FPAtletismo

Como é que está a correr o “desconfinamento”?

Cátia: Esta semana fui pela primeira vez à pista, mas foi sufocante. O facto de termos de entrar com máscara deixa-nos pouco à vontade e depois paira sempre a dúvida sobre se estamos infetados. Não sei se vale a pena o risco. Para já vou continuar com os treinos como no período de recolhimento.

De que forma é que adaptaram o vosso treino?

Cátia: Como não podia ir para a pista, comecei a correr num descampado atrás da nossa casa, onde fazia também Fartlek, subidas. O Tsanko ia comigo muitas vezes. Em termos de ginásio, conseguimos que a Federação [Portuguesa de Atletismo] e o IPDJ nos disponibilizassem o material e começámos a treinar na garagem. A gestão de treino é um pouco diferente, mas é possível de fazer.

Tsanko: O treinador envia todas as manhãs o plano e depois eu envio-lhe o vídeo da realização dos exercícios. Quando vou fazer lançamentos para o descampado, faço-os com o treinador em videochamada.

Quando tudo voltar ao normal de que é que vão ter saudades?

Tsanko: Do sossego de estar em casa e de não ter sempre qualquer coisa marcada, do tempo que temos só para nós, de jogar playstation.

Cátia: De estar sempre com a nossa cadela, de acordar sem despertador, de ter tempo para ler, para ver filmes e séries, para cozinhar.”

Tsanko, medalha de bronze no Campeonato da Europa de 2016, com um lançamento de 20,59 metros, a primeira para Portugal na disciplina, valeu a atribuição da Medalha da Ordem do Mérito.

O atleta do Benfica é treinado por Volodymyr Zinchenko (desde 2014) e Cátia por Carlos Silva (desde 2011).

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