Sexta-feira 26 de Abril de 2024

Comité Olímpico promoveu seminário sobre “migrações, desporto e religiões”

Programa_31 outubroO Comité Olímpico de Portugal, de acordo com uma nota inserida no seu site, promoveu um encontro em que a integração dos migrantes nos países e sociedades de acolhimento foi o quadro de debate, numa parceria com a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP).

José Manuel Constantino, presidente do COP, alertou para as dificuldades que se colocam nesta área, sublinhando o papel desempenhado pelo desporto ao afirmar quer “com as migrações, o processo de integração é complexo, mas o desporto tem aqui um papel importante, porque é uma linguagem comum”.

José Manuel Constantino aproveitou para reafirmar que o papel que tem cabido ao COP nesta problemática “em colaboração com o Comité Olímpico Internacional (COI), se enquadra num programa de acolhimento e procuramos, com as organizações que estão no terreno, facilitar o processo de integração.”

Rui Proença Garcia, professor catedrático da FADEUP, deu o mote para lançar o seminário ao questionar “o que pode o desporto contribuir para o acolhimento de migrantes?”, tendo deixado uma resposta inequívoca ao afirmar que “só o desporto com valores poderá ter utilidade para o acolhimento de tantas pessoas que nos procuram”, num debate que ele próprio moderou.

COP-Migrações-04-11-2019

DR / COP

“Desporto, Migrações e Racismo” deu título à comunicação de Adriano Moreira, professor catedrático e conselheiro de Estado, que sublinhou a existência de um fenómeno que marca a actualidade onde, como referiu, “o verbo eu é mais do que o verbo nós, e as linhas de separação são cada vez mais acentuadas”. Alertou depois para um problema que domina a agenda mundial e tende a favorecer novas migrações, que definiu como “os problemas do ambiente vão desenvolver movimentos de populações à procura de territórios.”

Adriano Moreira considerou também que “o desporto é um grande instrumento para apagar as linhas vermelhas”, num quadro em que a diferença entre cidadãos tem sido acentuada historicamente, recordando que “foi a ocidentalização imperial que fez emergir a importância do racismo” no estabelecimento “da linha vermelha” entre dominadores e subjugados.

O problema expressou-se no nazismo, defendeu, e “hoje reapareceu com o drama das migrações. O Mediterrâneo das nossas glórias foi transformado no cemitério dos abandonados.”

Adriano Moreira reforçou ainda ser “extremamente perigoso criar bairros de minorias não assimiladas, porque fomentam a discriminação, o primeiro passo para o reaparecimento dos mitos raciais. Aqui desponta o problema da integração”.

Que pode ter o desporto como uma solução. “O desporto avulta como uma valiosa contribuição” sem distinção de raças, “foi isso que terá levado o Papa Francisco a destacar Eusébio na sua visita a Moçambique”, adiantou o orador, defendendo ainda que “o desporto é um aglutinador de vontades, transmite valores importantíssimos, é um complemento indispensável. Faz sonhar e isso é das melhores coisas da vida.”

Pedro Vaz Patto, juiz e Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, falou sobre “Cristãos, muçulmanos e a cultura do encontro”, sublinhando que “uma cultura forte não se perde no contacto com outras”, pelo contrário, “consolida-se com o ideal de fraternidade universal. A globalização e os fluxos migratórios são um fenómeno incontornável”, sendo “o estabelecimento de pontes” entre diferentes religiões e culturas o caminho a seguir.

Pedro Vaz Patto aproveitou para citou o Papa Francisco, que referiu que “ou construímos juntos o futuro ou não haverá futuro.”

Moderado por Rita Nunes, directora do Departamento de Estudos e Projectos do COP, Paulo Mendes Pinto, Director do Departamento de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, interveio sobre “Refugiados: a tensão entre a escravatura e o direito ao refúgio”.

O conferencista aludiu à “Odisseia”, de Homero, e ao episódio em que Ulisses aporta à ilha dos Faiases, no qual pediu asilo ao rei Alcino. “É tratado, alimentado e só depois lhe perguntam quem é – a ordem dos factores aqui não é arbitrária”, sublinhou, para mostrar como na mitologia se colocavam os termos da integração.

Paulo Mendes Pinto, citou Sócrates, que disse que “quem me dera não ser grego nem ateniense, mas cidadão do mundo” – ilustrando o fenómeno que se punha então, em que só havia direitos de cidadania para os habitantes de cada cidade, sendo os estrangeiros equivalentes a escravos.

“O Olimpismo Moderno nasce dos desafios do supranacionalismo”, lembrou, a concluir, o conferencista, tendo defendido posteriormente que o Movimento Olímpico é líder na questão da integração pelo desporto.

“A equipa olímpica de refugiados e o seu efeito no apoio global a atletas refugiados” foi o tema da conferência de Gonzalo Barrio, gestor do projecto da equipa olímpica de refugiados no âmbito da Solidariedade Olímpica e do COI.

Gonzalo Barrio enquadrou o nascimento do projecto, lembrando que “entre 2014 e 2015, os refugiados ascenderam a mais de 60 milhões e foi nesse contexto que nasceu a ideia da equipa olímpica.”

Começaram no projecto 43 atletas de dez países, em Março de 2016, para apurar um grupo final de dez atletas participantes nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, com a antiga atleta queniana Tegla Loroupe a assumir a função de chefe de missão.

“Os resultados desportivos superaram as expectativas e todos foram um símbolo muito forte do que os refugiados podem fazer se forem apoiados”, considerou Gonzalo Barrio.

Um novo programa de apoio nasceu para o período 2017-2020, no âmbito dos Comités Olímpicos Nacionais e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), com um orçamento de três milhões de euros.

“Quero felicitar o COP por ter sido o primeiro a receber uma bolsa deste projecto”, disse o gestor, tendo sublinhado as virtualidades do trabalho desenvolvido em Portugal, onde os atletas são integrados em pleno.

Barrio destacou igualmente o projeto do italiano Niccolo Campriani, tricampeão olímpico de Tiro, no qual são apoiados dois atletas refugiados na tentativa de se qualificarem para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.

Paula Abreu, da FADEUP, moderou o primeiro painel da tarde, iniciado com a conferência que explicitou o projecto do COP “Viver o Desporto – Abraçar o Futuro”, a cargo de Maria Machado. Este é um projecto que tem como um dos seus principais objectivos promover a inclusão e a coesão social através do desporto, e é apoiado pelo COI.

Maria Machado esclareceu o modo como se está a promover a integração na sociedade portuguesa através do desporto, sendo o futebol a modalidade mais procurada (36%) pelos migrantes.

Farid Walizadeh, 22 anos, originário no Afeganistão, atleta de Boxe, refugiado integrado no Programa de Preparação Olímpica Tóquio 2020, deu testemunho da sua história de vida que o levou a cruzar vários países, depois de perder os pais, até chegar a Portugal.

“Sempre quis ser um atleta olímpico, é um sonho que nunca pensei ser possível realizar. Se os outros treinam uma hora, eu tenho de treinar duas ou três. Se os outros atletas suam, eu sangro. Eu vou lá estar”, prometeu, sublinhando o papel desempenhado por quem o tem enquadrado, em Portugal. “Os meus treinadores são também a minha família.”

Na assistência esteve igualmente Dorian Keletela, atleta nascido no Congo-Brazzaville, refugiado em Portugal, que também procura chegar aos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, na modalidade de Atletismo (100m).

Parceiros e instituições acolhedoras de migrantes deram testemunho das suas experiências, num painel moderado por Rui Tavares Guedes, director-executivo da Revista Visão, parceira de media do seminário.

Os testemunhos foram: “Uma experiência de acolhimento com o desporto em Miranda do Corvo”, por Jaime Ramos, Presidente da Fundação ADFP – Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional; “O papel da Associação de Futebol da Madeira no acolhimento de luso-venezuelanos na região”, Rui Marote, Presidente da Associação de Futebol da Madeira; “A imigração (i)legal no desporto português – O caso do futebol”, Joaquim Evangelista, Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol; “Espírito de Campeão”, Dora Estoura, Coordenadora Casa de Acolhimento para Crianças Refugiadas / Conselho Português para os Refugiados; “Promover a integração”, Nuno Costa Jorge, Centro de Acolhimento Temporário de Refugiados de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa; e “Acolher e Integrar”, Catarina Lima, Plataforma de Apoio aos Refugiados.

Gabriela Medeiros, da FADEUP moderou o painel em que participou Vítor Serpa, director do Jornal A Bola, autor da comunicação intitulada “O papel da imprensa desportiva junto da diáspora”. Serpa caracterizou o que eram as comunidades de emigrantes portugueses no exterior no final do século passado, referindo que “às vezes formou-se um pequeno Portugal em cada uma das cidades estrangeiras. A ideia de que o emigrante português se integrou na perfeição nas comunidades locais é uma ideia do nosso imaginário.”

O director de A Bola defendeu que “os grandes campeões do desporto português”, como Joaquim Agostinho, Carlos Lopes e Rosa Mota, entre outros, “fizeram muito pela afirmação de Portugal no mundo”, tendo posteriormente reforçado a ideia de que o jornal que dirige foi um meio fundamental para ligar a diáspora portuguesa no estrangeiro a Portugal.

“O Islão e os Refugiados” deu título à conferência de David Munir, Sheik/Imã da Mesquita de Lisboa, que esclareceu o significado da palavra Islão, “submissão voluntária” e também “a paz”, tendo dissertado depois sobre a crença monoteísta e as interpretações que dela se fazem.

David Munir explicitou o papel da comunidade islâmica no acolhimento dos muçulmanos refugiados em Portugal, sublinhando que tem assumido a logística integralmente. “Hoje temos alguns refugiados descontentes”, revelou, dizendo qual é a mensagem que lhes passa e que assenta na crença: “Sê paciente e sê grato àquilo que você tem.”

O Sheik defendeu que no desporto não deverá existir divisão entre atletas, seja de que ponto de vista for e, a terminar, deixou o convite à audiência para uma visita à Mesquita de Lisboa.

Rui Proença Garcia, da FADEUP, fez as considerações finais, chamando a atenção para a palavra que cruzou o dia de trabalho – “dignidade”.

 

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